4 de dez. de 2018

A esperança e a memória são quentes como cafe

Na memória  do meu irmão, todo nosso amor e saudade ficam expressos.

"Amanheci hoje fazendo café e, como sempre nessas horas, veio em mim a lembrança do cheiro e do sabor que nossa mãe coava. O sabor seria fraco para minha preferência de adulto, mas não  teria deixado de ser admirado pela precisão inimitável em seu invariável sabor - uma exatidão no fazer da bebida  que, mesmo com método, apetrechos e dedicação, jamais fui capaz de alcançar.

Sou daqueles de ter barista preferido e de gostar do café forte e quente. Forte o bastante para o amargo atingir o ponto de tornar em doçura complexa, e assim o tomo, puro e sem adocar - mas nem o mais perfeito ao meu paladar supera o valor do vínculo dado pelo café de "vovó Neide, mamãe de papai que mora na estrela".

Meu menino via em todas as horas o café em meu dia. No desjejum dividido, no arremate do almoco, no lanche da tarde, no expresso ocasional, no último alimento do dia.

Cedo enxerguei no desejo de pertencer a explicação da frase "eu gosto de café também  papai". Tal como na alegria de vestir roupas semelhantes, em cor ou no modelo, me vi fazendo metamorfoses e ajustes, tal como aderir aos horrorosos "crocks" pq eram "iguais a minha sanadalha do batman, papai".

Sempre oferecia café a João quando ele repetia a sentença. Algumas vezes ele tomava um gole e dizia "já tá bom hoje, 'quer' mais não". Sem me dar conta, e mais ainda depois de perceber o que fazia, fui ajustando paladar para caber no desejo do menino. O café "caído do bule", como lindamente fala o querido Bel Pires, foi ficando menos forte e os adoçantes voltaram a bebida: com açúcar comum, com o demerara ou com o mascavo, com mel, com melaço, com cacau em pó, com leite e até com uma pitada de achocolatado, tudo buscava a expectativa do pedido "posso provar, papai?". Uns poucos dias antes do dia que nos trouxe a distância, sem ensaio ou busca de ajuste, bebia um tanto de café puro, já não  tão quente no fim da caneca, qdo o recorrente desejo de partilha veio. Sem saber que aquele fim de tarde seria alvorada, ajustei nas mãozinhas o peso da caneca para depois ouvir: "huuum. Tá gostoso!! Eu gosto de café. Posso ter um pouco para beber sozinho, papai?!". Dividi o café e a alegria da novidade por todos os ventos.

Desde então, ainda que não todo dia, o que foi feito para ser xícara de cafézinho se fazia em "canequinha de criança beber café" e dividimos uma bebida não tão forte e já quase morna como o sabor exato do melhor café do mundo - agora mais ainda, porque se essência do grão coado nos faz juntos até além da vida, que separação poderia impor uns  poucos milhões de metros? Ademais, tal como na extrema amargura do café reside o doce, nesse amargo hiato de convívio eh gestada a doçura intensa do reencontro - e será  breve, para sempre e para além do infinito, como o sabor do café de vovó Neide. #joaoepapai #papaiejoao #semprejuntos"

Meu irmão, que os Mestres continuem a lhe fortalecer  na espera.
Lembre que aquilo que nos causa dor foi também  motivo do nosso reencontro familiar.
Aquilo que é seu por direito divino há de voltar,
Que o advento do Natal renove nossas esperanças e as oportunidade caiam quentes do bule  da vida.
Este são  os meus votos, a minha fé  e esperança.

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